| Lenda
World Trade Center - WTC Nostradamus previu os atentados terroristas? | |
A mensagem contendo a suposta profecia de Nostradamus sobre os atentados ao World Trade Center, no dia 11 de setembro de 2001, começou a circular logo depois do triste episódio.
Há três aspectos a considerar sobre essa mensagem: - as profecias em geral,
- as profecias de Nostradamus e
- a profecia contida na mensagem.
Profecias em geral O exercício da profecia sempre está associado ao misticismo e são muito variadas as formas de realizá-las. Todas têm em comum a fragilidade de seus pressupostos e da técnica empregada – se é que se pode em falar em "técnica de profecia" – , isso sem falar na " qualidade" da previsão, ou seja no grau de acerto dela.
Existem as inocentes profecias feitas em torno da fogueira de São João. A questão fundamental é saber com quem e quando a jovem donzela irá casar. A tecnologia pode ser uma faca enfiada no tronco da bananeira ou o derramar pingos de vela sobre a água de uma bacia. Brincadeiras divertidas.
Modos supostamente mais sofisticados podem empregar curiosos elementos desde partes da anatomia, como as mãos e o crânio, o comportamento de animais, a interpretação de sinais vindos do além e a interpretação de textos sagrados ou não.
A essa última categoria pertencem as famosas profecias de Nostradamus. (Veja Creso e o oráculo de Delfos.)
As profecias de NostradamusPrimeiramente: quem foi Nostradamus?
Existem muitos sítios da web com dados biográficos de Nostradamus. No sistema de busca Google, a pesquisa ao termo nostradamus retorna 232.000 resultados na opção qualquer idioma. Oito anos depois, em outubro de 2009, retornam 2.640.000 resultados A vida de Nostradamus (1503 – 1566).Michel de Nostre Dame ou Notredame, mais tarde Nostradamus nasceu em 14 de dezembro de 1503 na cidade de Saint-Rémy, Provence, França. Seus pais eram judeus e aos 9 anos de idade ele e a sua família se converteram ao catolicismo. Ele foi o primeiro dos cinco filhos de Jaume (ou Jacques) e Reynière de St. Rémy.
Desde cedo, ele demonstrou interesse pela matemática e astrologia tendo recebido orientação nesse sentido do seu avô Jean.
Fez o curso de medicina e trabalhou intensamente no tratamento de vítimas da peste, epidemia que grassava na França no século XVI. Em 1530, morreram de peste a sua primeira mulher e os seus dois filhos.
O comportamento pouco ortodoxo, para a época, como médico, o fato de ser astrólogo e a sua origem judaica formaram um boa combinação capaz de atrair a atenção e a ira da feroz e sanguinária Santa Inquisição durante toda a vida dele. (No século passado, a Santa Inquisição passou a denominar-se, candidamente, Congregação para a Doutrina da Fé.)
Em 1555, ele publicou a primeira parte das suas Profecias. Ao todo são dez livros ou centúrias e cada centúria é composta de cem quadras, daí o nome centúria dado a cada um dos livros.
Há quem afirme que ele sequer chegou a concluir a sétima centúria, mas as publicações modernas trazem as dez. Em suas anotações, foram encontrados fragmentos da XI e XII centúrias.
Profecias de Nostradamus é um dos livros mais editados em todo o mundo ocidental. Dizem que somente a Bíblia o supera em número de edições e de traduções. Qual a razão de tanto sucesso?
A primeira delas é, certamente, a sua linguagem obscura, hermética e indecifrável.
Personagem do livro "Os desamores de Benedicto" do pernambucano Abdias Moura afirma com muita propriedade:
As chamadas Profecias de Nostradamus foram escritas numa linguagem tão hermética que todos - absolutamente todos - os acontecimentos fundamentais da história da humanidade podem ser por elas explicados: mas somente depois de acontecerem, e graças aos denodados intérpretes das famosas centúrias. Elas não são herméticas por serem proféticas, mas são proféticas por serem herméticas." (http://www.abdias.jor.br/ desamores.html ) |
É isso: as Profecias de Nostradamus trazem as descrições de todos os acontecimentos, das grandes guerras e das desgraças ocorridas no Ocidente.
Como a linguagem usada no texto é sempre confusa, obscura e sujeita a diferentes interpretações cada pessoa a interpreta como lhe convém e essa decifração só é feita após a ocorrência de um fato de modo que se pode adequar as duas coisas: o fato ocorrido e a "profecia" realizada. É a profecia do passado: escolhe-se uma quadra, o texto de todas elas é vago e confuso, e as palavras vão sendo interpretadas segundo a conveniência de quem faz a interpretação.
Em nenhum caso, repitamos, em nenhum caso se tem uma profecia de Nostradamus interpretada antes da ocorrência do fato preconizado. A interpretação e a "comprovação" dela sempre se fazem após o acontecimento.
Essa defasagem é profundamente lamentável, pois muitas desgraças poderiam ser antevistas e cuidados poderiam ser tomados no sentido de evitar a perda de muitas vidas. Se impossível evitar um desastre, como um fenômeno natural, um terremoto ou inundação pelo menos se poderia evacuar uma cidade ou região sujeita à ira da natureza.
Tem mais.
Príncipe, rei, rainha, bispo, arcebispo, papa, herdeiro, grande homem, França, Espanha, Pérsia, Egito, Bizâncio, guerra, batalha, inimigo, luta, mortes, montanha, planície são palavras frequentes no texto. Não é difícil, ao longo de 450 anos de história da Europa, encontrar pessoas, países, lugares, situações e acontecimentos que caibam e se ajustem às descrições cifradas. Também se pode estender as profecias para o resto do mundo e aí fica bem mais fácil ajustar uma suposta profecia a um fato ocorrido no planeta Terra nesses últimos quatro séculos e meio.
E onde ficam as profecias? Ficam em lugar nenhum. Não existem nem nunca existiram de fato a não ser na fértil imaginação dos seus intérpretes, gente com a habilidade de transformar descrições obscuras em descrições de acontecimentos passados. O que existe é um texto hermético, indecifrável, confuso, obscuro e essas características fazem brotar o mito da predição.
Até que um novo significado seja adotado para a palavra, profecia significa predição do futuro (impossível a predição do passado), a antevisão de fatos e de ocorrências do porvir. Portanto, as Profecias de Nostradamus, apesar do muito que se fala e que se escreve sobre elas nesses últimos 450 anos, servem apenas para... para quê, mesmo?
Para encher de lingüiça uma página da web como esta aqui, por exemplo, o que não é grande coisa, convenhamos. Serve também para conferir um certo grau de erudição aos seus intépretes, supondo que eles realmente estudaram a história do mundo desde 1555 até hoje. E também serve para vender livros.
Qual o valor de uma profecia, da antevisão do futuro?
Que tal fazer uma pequena e conveniente distorção e usar a palava previsão no lugar de profecia?
Desde os primórdios da humanidade que se buscam formas de prever o futuro. Essa previsão era e é importante até por uma questão de sobrevivência da espécie humana. Antever os períodos de chuva, de seca, de frio, de calor, de abundância de caça e de frutos foi de fundamental importância para os nossos ancestrais. Hoje, os calendários e as previsões meteorológicas baseadas em imagens de satélites tornam as coisas bem mais fáceis.
O que para alguns poucos era o conhecimento acumulado resultante da observação arguta do mundo – direção do vento, coloração das nuvens, migração de aves, posição de astros no céu – para outros era conhecimento resultante da iluminação e da revelação de entidades obscuras. Quem dispusesse de informações capazes de antever a sequência de estações do ano e dos fenômenos a ela associados, por exemplo, ocupava lugar de destaque no grupo ou na tribo.
Nada diferente do mundo atual: informação é poder.
E por último, o grande equívoco: A profecia contida na mensagem.Tudo começou com o artigo "Nostradamus: A critical Analysis" de autoria de Neil Marshall publicado em página da Brock University do Canadá. O autor fala da ausência de sustentabilidade da tese de profecia, de antevisão do futuro feita por Nostradamus ou por ual uer outra pessoa.
Para ajudar na sua argumentação, o autor "cria" uma profecia tão confusa uanto ual uer uma das profecias de Nostradamus. Ele diz:
In the City of God there will be a great thunder, Two brothers torn apart by Chaos, while the fortress endures, the great leader will succumb |
Em português:
Na Cidade de Deus haverá um grande trovão, Dois irmãos serão destruídos pelo Caos. En uanto a fortaleza resiste, o grande líder sucumbirá. |
O que isto significa?
O próprio autor da "profecia" explica: Cidade de Deus: pode ser Meca, Medina, Roma Jerusalém, Salt Lake City ou qualquer cidade, dependendo da sua crença. (Acrescento por minha conta e risco o Juazeiro do meu "padim Pade Ciço"). | Haverá um grande trovão: uma tempestade, guerra, terremoto? Muita coisa pode ser associada a "grande trovão". | Dois irmãos: o profeta fala irmãos em sentido figurado ou literal? De uma forma ou de outra, há bilhões deles no mundo. A qual deles se refere a "profecia"? Às torres gêmeas? (Twin towers, torres gêmeas. Em inglês, objetos como uma torre não têm gênero. Em português, se traduz por torre, do gênero feminino. O texto original fala em "brothers", masculino, mesmo assim o "intérprete-tradutor" associou "brothers", substantivo masculino, a torres, substantivo feminino.) | a fortaleza resiste: fortaleza sitiada? resiste ao quê? (As torres não resistiram.) | grande Líder sucumbirá: quem é esse grande líder? Como ele sucumbirá? |
Neil Marshall continua: Vamos deixar essa profecia aí por alguns anos. Podemos até fazer mais algumas. Eventualmente, uma delas poderá se encaixar em algum acontecimento futuro de tal forma ue a profecia se tornará "verdadeira". |
Marshall escreveu isso em 1998. Três anos depois, em 2001, uma tragédia fez com que exercício de profetização, uma suposta quadra de Nostradamus, se transformasse em profecia do próprio Nostradamus que se encaixaria com "grande precisão" ... num fato passado.
Isso foi só começo. Alguém - o autor da mensagem original? - acrescentou por sua conta o ano de 1654, ano em que Nostradamus teria redigido essa profecia e pronto: foi só divulgar na Internet e, em poucas horas, ela percorreu todo o mundo.
Todos viram o resultado: Nostradamus previu o ataque terrorista aos Estados Unidos! |
Pouca gente deu atenção à data em que a profecia teria sido escrita: 1654. Nesse ano, Nostradamus já estava morto – morrera 88 anos antes – e não poderia escrever mais nada por maiores que fossem os poderes sobrenaturais dele.
Pode ter havido má fé, pode ter havido uma compreensão inade uada do artigo de Neil Marshall. Seja como for, a uadra criada por Neil Marshall, com o intuito de desfazer o mito das profecias, logo transformou-se numa das profecias de Nostradamus e encontrou na Internet o veículo ideal para a sua rápida propagação.
Tudo mentira.
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