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Achatina fulica, os caramujos africanos: ameaça ou oportunidade?
O caracol gigante africano foi trazido do Quênia e da Tanzânia para o Brasil em 1988.
A proposta inicial dos que trouxeram o Achatina fulica foi possibilitar mais uma opção de alimento cujo similar europeu, o escargot, é tido como um prato caro presente em restaurantes muito chiques, especialmente na França.
Comer escargot é tão sofisticado que até talheres especiais foram desenhados para esse momento exclusivo.
Na verdade, nem são talheres, mas pince et fourchette à escargots.
Très chic! Pince et fourchette à escargots.
Quem idealizou a importação dos Achatina quis trazer para o Brasil uma fina iguaria que, além de ser mais uma fonte de proteínas, traria renda para os criadores.
Logo, no entanto, o IBAMA proibiu a sua criação considerando os caramujos como um péssimo negócio para o país.
Tornados proibidos, e os seus criadores transformados em fora-da-lei, a solução mais fácil encontrada foi jogar fora toda a criação. Literalmente.
Os animais foram soltos e logo se espalharam pelo país. A soltura dos animais se transformou em problema.
De alternativa de renda, o Helicidae passou a ser praga e órgãos governamentais disseram que ela deveria ser erradicada. Como?
Ainda não se sabe.
Há quem diga que os caramujos africanos proliferam durante o inverno. Outras pessoas concordam com a proliferação, mas discordam da estação do ano. Dizem que o aumento da população ocorre no verão.
No inverno e no verão, enfim, durante o ano todo, pois mais da metade do país somente possui essas duas estações, fala-se no grande perigo africano que não se limita ao Brasil.
Elegantes jardins de Miami foram invadidos por esses hóspedes indesejáveis.
Seriam os Achatina fulica tão perigosos assim?
Mais uma vez, há discordâncias: há quem diga que sim; há quem diga que não.
Os que mencionam o caramujo como vetor de doenças não especificam nem tampouco citam os casos efetivamente ocorridos no Brasil. Onde ocorreram, onde foram tratadas as vítimas.
Do ponto de vista científico, portanto, a informação não é confiável, uma vez que não se tem acesso aos registros dos casos ocorridos.
Que há o potencial de contaminação, todos concordam, pois zoonozes podem ser transmitidas por qualquer animal.
Voltando aos africanos caramujos.
Em uma das páginas que comentam o Achatina fulica, o autor diz que "o caramujo africano é estranho e chega a ser repulsivo."
Veja imagens do Achatina fulica e de escargots de griffe.
Este é um escargot de griffe. Um Helix pomatia. Francês de nascimento. Fonte: Wikipedia.
Outro Helicidae de griffe. O europeu Cornu aspersom.
Este é um escargot africano da Costa do Marfim. Além de africano, comestível. Fonte: Wikipedia.
Escargot de France.
Este aqui, o Achatina fulica, é o vilão da história. Fonte: Wikipedia.
Como se percebe, apenas o preconceito é capaz de fazer com que um dos animais seja mais estranho ou repulsivo do que outro.
As cores das conchas são iguais; o último tem a concha mais alongada. O molusco, a parte comestível, não difere muito e todos eles possuem os chifrinhos.
Uma das recomendações de segurança no trato com esses animais diz:
"a melhor forma de controle é mesmo pegá-los com as mãos, desde que estejam com luvas."
Não, não é o caramujo que deve estar de luvas, mas quem o pega.
Em outra página:
"A orientação é para que a população de onde ocorra o aparecimento dos caramujos recolha os animais com luvas."
Os animais desleixados e sem luvas podem ser esquecidos por lá.
Esclarecidos o manuseio e as luvas, prossigamos.
Malacofobia e outras fobias
Não é incomum encontrar pessoas que têm fobia de certos animais.
Indiana Jones, o herói de muitas aventuras, tem pavor de cobras, mesmo das não venenosas.
Em Aracnofobia (Frank Marshall, 1990), o herói sofre de... aracnofobia.
Há quem tenha medo de ratos, mesmo os inofensivos branquinhos de laboratório.
Sapos também amedrontam.
Aqui na frente de nossa casa havia uma creche cujo vigia era batracófobo. Traduzindo: tinha pavor de sapos.
Quando as crianças ficavam com raiva dele, a vingança era terrível.
Elas pegavam um sapo e saíam a correr atrás do intrépido vigilante.
Existem também os que sofrem de catsaridafobia (medo de baratas); aletrorofobia ou ornitofobia (medo de galinhas); elurofobia, ailurofobia, galeofobia ou gatofobia (medo de gatos); esfecsofobia (medo de marimbondos) e outras palavras medonhas. (A propósito: medo, mesmo, eu tenho é do mangangá, o cavalo do cão.)
Existem os que sofrem de malacofobia - medo de moluscos, entre os quais se encaixam os caracóis, lesmas, caramujos, escargots e parentes próximos.
Além da fobia, que afasta as pessoas dos caramujos, existe o preconceito alimentar. Ao serem trazidos para o Brasil, esperava-se alguma aceitação, pelo menos entre as pessoas de fino trato habituadas a comer coisas exóticas. Mas não foi isso que aconteceu.
Vale destacar que uma das portas de entrada do Achatina no Brasil foi uma feira de agropecuária realizada em 1988 (ou 1989) na cidade de Curitiba, Paraná.
Mais discordância: há quem afirme que o molusco entrou a partir de Florianópolis, Santa Catarina.
Conheço pessoas que comem tamanduá, preá, mocó, tatu, jibóia, coelho.
Também sei de gente que não come coelho de jeito nenhum. Não come porque Deus não criou o coelho para servir de alimento para homem. Está na Bíblia. Outros, não comem um "bicho tão fofinho, branquinho e de olhinhos vermelhos".
Não comer aruás e outros caramujos, ostras vivas ou cozidas, tanajuras, caranguejos ou guaiamuns também faz parte do cardápio de preconceitos.
Caramujos, africanos ou não, podem transmitir a Angiostrongilíase meningoencefálica humana (Angiostrongylos cantonensis) e a Angiostrongilíase abdominal (Angiostrongylos costaricensis) e outras doenças.
Segundo MENINGITE EOSINOFÍLICA POR CARACÓIS... "No Brasil, onde ocorreram seis casos até agora [de angiostrongilíase], o caracol africano (Achatina fulica) não foi a causa de nenhum deles."
E mais: "Neuhauss et.al. (2007) submeteu o caracol africano a infecções experimentais por A. cantonensis e A. costaricensis e constatou que ele “não representa [...] uma ameaça significativa para a saúde humana” no Brasil, pois não se comporta, propriamente, como um vetor significativo.
"... o problema no Brasil não é a presença do caracol invasor africano que, raramente, pode ser hospedeiro intermediário ao A. cantonensis e transmitir a Meningite Eosinof ílica, mas sim, a grande fragilidade da fiscalização sanitária em nossas duanas que já permitiu, aparentemente, a entrada do principal hospedeiro definitivo contaminado do A. cantonensis em duas cidades portuárias no país, Vitória e Recife, onde diagnosticaram-se os dois casos de Meningite Eosinofilica no país, em 24 anos."
Seja como for, caramujos, galináceos, ostras e outras iguarias devem ser fervidos antes de ir para a mesa. Crus ou mal cozidos, podem transmitir zoonoses.
Verduras também podem estar sujas e conter micro-organismos capazes de ocasionar doenças graves que podem levar à morte. Recomenda-se lavá-las, de preferência, em água com hipoclorito de sódio ou água sanitária.
Enfim, caramujos africanos: ameaça ou oportunidade?
Ameaça a jardins, hortas e plantações, sem dúvida.
Por outro lado, oportunidade. Alimento mais barato na mesa. É o que vemos em Achatina fulica no Brasil:
"Num país como o Brasil, onde muitas pessoas ainda passam fome, temos que adotar uma postura séria e começarmos a fazer ciência, realmente, para quem precisa dela, a comunidade. O caracol africano é um animal rico em proteínas e com grande potencial medicamentoso. Rotulá-lo simplesmente como nocivo por ignorância é um luxo que não podemos adotar."
Uma vez confirmada a inocência do caramujo africano, as duas questões se complementam.
O combate ao caramujo que destrói plantações termina, ou começa, na mesa, desde que o bicho seja devidamente cozinhado.
O caramujo planorbídeo Biomphalaria
A Zona da Mata de Pernambuco, especialmente o Vale do Sirigi, é famosa pelos casos de esquistossomose, doença transmitida pelo Schistosoma mansoni, platelminto da classe trematóide. O Schistosoma tem como hospedeiro um caramujo planorbídeo (gênero Biomphalaria).
O caramujo brasileiro habita rios e açudes da região e é hospedeiro de larvas do verme Schistossoma mansoni que transmite a doença mortal conhecida como barriga d´água, xistose, doença dos caramujos ou esquistossomose mansônica.
Em 2010, foram registrados 47.157 casos confirmados de esquistossomose no Brasil. (V. Portal Saúde).
Em 2002, foram 219.269 casos. O número de óbitos em 2009 foi de 496 (v. Portal Saúde).
Lenda?
Algumas matérias sobre o Achatina têm o ranço de lenda.
Por exemplo: "Vinícius e Ana são namorados e resolveram passar o Ano Novo em uma casa de praia, em Mongaguá, litoral sul de São Paulo. Após se instalarem, foram até o quintal e notaram um caramujo gigante rastejando pelo chão.
"Impressionada com o tamanho do bicho e até com a beleza da concha, Ana tentou tocar no caramujo. Vinícius soltou um grito: "Não toque nisso!". E contou que, quando criança, tinha ouvido de um senhor da região que o tal caramujo era um transmissor de doenças."
Sabe-se que o fato teria ocorrido em Mongaguá envolvendo Ana e Vinícius, que soube, de um senhor da região, sobre o tal caramujo.
Quem são os protagonistas?
Mais lenda.
"Segundo moradores, um homem teria morrido de infecção intestinal seguida de hemorragia." O fato teria ocorrido em Maceió, Alagoas, mas não há registro oficial.
O noticiário sobre o Achatina encontra-se contaminado por adjetivos:
- Caramujos venenosos infestam jardins e hortas no Oeste do Paraná. - CARAMUJOS ASSASSINOS. - CARAMUJO VENENOSO. RISCO DE MORTE!
Existe até um Disque-caramujo africano!
Por onde andam os caramujos?
Segundo Caramujo africano: quais os reais... eles estão "... em 23 dos 26 estados, incluindo a região amazônica e reservas ambientais.... No total de 5.561 municípios brasileiros, há registros da presença do caramujo africano em 439 – cerca de 8%."
Fica a pergunta: 23 dos 26 estados, mas em apenas 439 municípios?
Aqui no sertão, Campo Formoso - BA, basta chover que os africanos aparecem. Como tenho os meus preconceitos alimentares, eu não os como. Assim como jamais comi os aruás brasileiros.
Encontramos este exemplar do Achatina fulica no jardim de nossa casa (09 de março de 2012). Muito tímido, ele mal pôs a cabeça para fora.
Cholera
Há alguns anos, houve uma temporada de cólera no Recife e em boa parte do Brasil.
Para impedir a propagação da doença, o governo do estado de Pernambuco proibiu o acesso à praia de Boa Viagem. Ninguém podia chegar nem na areia porque a cavalaria lá estava assegurando a saúde do recifense (!).
Tudo não passou de uma grande bobagem, pois a Vibrio cholerae, a bactéria da cólera, é incapaz de sobreviver na água salgada.
Algum tempo depois, a praia foi liberada e o governador foi fazer a sua pirotecnia dando um mergulho no mar.
Muita gente lamentou não ser verdadeira a ameaça. Pelo menos naquele momento.
Conclusão: existe o risco de contaminação, risco presente quando do consumo de quaisquer alimentos deteriorados ou que não sejam devidamente preparados ou cozidos da forma adequada.
Em caso de dúvida, procure o seu médico ou nutricionista.
Mundo curioso.
A "moda" (!) em 2012 é usar massagem de caramujo. Coloca-se o visguento animal sobre o corpo e aguarda-se o resultado.