Meu nome é Marcia Barbosa, tenho 49 anos, casada, dois filhos, e sou cardiologista em Belo Horizonte, fiz doutorado na USP e serei a presidente da Sociedade Mineira de Cardiologia no biênio 2004-05.
Viajo muito para me atualizar, indo a congressos e dando conferências.
De fato, nos últmios dez anos, fui mais de 20 vezes a congressos nos EUA (algumas vezes inclusive como convidada), entrando sempre no país com o visto Americano atual um visto B2 que tenho desde 1997, sobre o o qual jamais disseram que houvesse qualquer problema.
Pois bem, no dia 18 de outubro voei para os EUA para participar de um curso de três dias de ressonância magnética do coração do American College of Cardiology, pelo qual havia já pago US 695.00.
Qual não foi minha surpresa, quando, ao chegar a Dallas e dizer, como sempre faço, que ia para um congresso médico, fui informada que meu visto não me dava permissão para isto e que precisava de um visto de trabalho (B1). Fui então encaminhada para uma sala, da qual só podia sair para beber água ou ir ao banheiro acompanhada por um policial, que me trancava no banheiro e esperava do lado de fora.
Nesta sala, eu e mais três brasileiros (um médico que também ia para um congresso e dois executivos de empresas, que iam participar de reuniões ou cursos), fomos interrogados como verdadeiros criminosos, e, mesmo tendo apresentado todos os comprovantes (recibos dos cursos do American College, carteira do CRM, etc) o tratamento que recebíamos era o mesmo dispensado a pessoas que haviam sido detidas por vários crimes.
Após longas conversas entre eles, os "officers", que pareciam não conhecer bem as cláusulas das leis e liam e discutiam o que deveriam fazer com os quatro "marginais", fomos sumariamente informados que o supervisor D. Nelson havia decidido que seríamos deportados, sem direito a falar com um advogado ou qualquer outro tipo de apelação.
Só após insistirmos muito pudemos fazer uma ligação a cobrar para nossas famílias, que já deviam estar preocupadas com a falta de notícias. Porém, como as companhias telefônicas americanas se recusassem a fazer ligações a cobrar para o Brasil (!), algumas ligações não puderam ser feitas.
Como a American Airlines nos mandou às 14:00 hs um mísero pãozinho com presunto, exigimos que queríamos comprar o nosso próprio almoço e aí passamos pela constrangedora situação de ir a um restaurante do aeroporto ostensivamente acompanhados por policiais.
Finalmente, após um longo interrogatório feito, no meu caso, por R. M. Pamposa, uma das pessoas mais desagradáveis que já tive o desprazer de conhecer e que fez um relatório cheio de erros de inglês o qual fui "convidada" a assinar, concordando em ser deportada (quando perguntei se poderia contratar um advogado me disseram que não), veio a pior parte: tiraram nossa fotografia e as impressões digitais, como fazem com qualquer bandido. Isto foi um choque para todos nos, que ficamos com a moral realmente abalada.
Aí, eu e a outra brasileira fomos literalmente trancadas em um banheiro frio, em que havia um banco duro para sentar, sem podermos levar nossas bolsas, lap tops ou mesmo um livro para ler, junto a uma senhora que estava sendo acusada de traficar pessoas para os EUA.
Os dois homens tiveram pior sorte: foram revistados, retirados os sapatos e cintos, e trancados num mesmo tipo de "waiting cell", também junto a outro homem detido.
Doze horas mais tarde voltaram para nos "escoltar" e, mais uma vez, passamos pela constrangedora situação de entrar no avião sob escolta policial.
Em momento algum tivemos acesso a nossos bilhetes (eu não sabia sequer se meu bilhete seria até Belo Horizonte), passaporte ou bagagem, que entregaram aos comissários para que nos fossem devolvidos apenas no Brasil.
Não precisa falar a nossa sensação, entrando no avião e passando por todas as pessoas que seriam nossos companheiros de vôo escoltados por policiais.
Entendo (agora) perfeitamente que o visto poderia ser considerado inadequado (embora o B2 se qualifique para alguém que viaja a lazer e vai se envolver em alguma atividade profissional), mas como é que eu podia imaginar que tinha o visto errado, se já entrei nos EUA mais de 20 vezes, sempre com o mesmo visto e sempre dizendo que vinha a um congresso médico? Inclusive há seis meses estive em Las Vegas para um congresso e nada me disseram.
E ainda que a Imigração estivesse certa (que não estou convencida se estava), será que isto dava a eles o direito de tratar pessoas honradas, sérias, trabalhadoras, estabelecidas e respeitadas no Brasil como nos trataram?
Acredito que não, e o motivo que me leva a denunciar esta arbitrariedade e prepotência americana é evitar que outro incautos como eu corram o risco de descobrir tarde demais que seu visto não é o correto e aí serem tratados como fomos. Nunca me senti tão indignada, humilhada e impotente em toda a minha vida e acho que muito tempo irá passar até que eu consiga deglutir o acontecido. Não estou conseguindo me concentrar e acho pouco provável que consiga voltar a trabalhar nos próximos dias.
Agora entendo perfeitamente o significado da expressão "danos morais": é algo realmente pesado, que destrói a gente de uma forma irrecuperável, abalando profundamente toda a nossa estrutura moral e sentimental, tirando-nos inclusive a capacidade de reagir adequadamente.
São atitudes como esta que levam ao sentimento generalizado anti-americano que se apoderou do mundo hoje e faz com que loucos como Bin Laden façam o que estão fazendo com os EUA. E, embora obviamente não estejamos de acordo com as atitudes de terroristas, acho que nós brasileiros devemos começar a nos perguntar se os EUA são realmente um país que mereça ser visitado por gente decente.
Será que um país cujo órgão de imigração nos desrespeita tanto merece que levemos nossas crianças (e nossos dólares!) para passear na Disney World?
Maybe not! |