A Internacionalização da Amazônia, A página 76 de um livro inexistente e o FINRAF.
ou ainda
O Brasil dividido ou Enquanto é tempo v.2
Environment Finance x Information Commodities - Washington, EUA
O "Boato Eletrônico" de Internacionalização da Amazônia
Por George Felipe Dantas
É interessante como as relações internacionais, em sua dinâmica, muitas vezes estão marcadas por comportamentos e percepções que supostamente só existiriam no plano pessoal, domínio da psicologia. Por isso mesmo, em determinados momentos os conflitos internacionais podem ser analisados sob a luz de 'modelos' típicos da dinâmica dos relacionamentos interpessoais.
É bastante comentada, na crônica histórica da Guerra Fria, a influência da percepção pessoal de Nikita Krushev acerca de John Kennedy, durante o desenrolar da grave crise político-militar ocorrida ente as duas super-potências nos anos 60. O limite da crise foi o quase enfrentamento naval entre a URSS e o EUA, no Mar do Caribe, durante o bloqueio de Cuba, conflito cuja decorrência poderia ter sido uma troca de salvas nucleares entre os dois países.
Segundo a crônica histórica, a percepção de Krushev acerca de Kennedy seria a de "apenas um menino," vulnerável e incapaz de prevalecer sobre o velho líder comunista, já que, entre outras coisas, era aproximadamente da mesma idade do filho de Nikita. Teria sido com essa percepção, bastante equivocada, que Krushev partiu para o enfrentamento com os Estados Unidos da América durante a crise dos mísseis soviéticos instalados em Cuba. O mundo esteve à beira de um holocausto termonuclear, talvez apenas por um 'erro de percepção interpessoal,' com esse equívoco sendo transposto para o plano das 'relações de força' entre as então duas superpotências.
Recentemente, uma rede eletrônica de mensagens compartilhadas por um grupo da Internet retratou-se, no meio virtual, por ter veiculado o que depois seria comprovado como boato completamente sem fundamento. O boato versava sobre a existência de mapas escolares norte americanos nos quais a Amazônia brasileira seria mostrada como 'área internacional.'
Bastante correta a dirigente de tráfego e divulgação de mensagens da rede, ao constatar a inverdade que havia sido veiculada. Mas qual teria sido a motivação de quem produziu a 'notícia'? Vale notar, pela riqueza de detalhes do conteúdo veiculado, a preocupação em fazer 'verossímil' algo completamente falso e descabido, conforme ficou fartamente comprovado a posteriori.
David Nasser, em seu enorme 'saber jornalístico,' dizia que para uma notícia produzir impacto, mais que ser verdadeira, há que ser verossímil. O(A) boateiro(a), no incidente citado, teve essa preocupação e cuidado, haja visto os 'detalhes minuciosos' do que foi relatado acerca dos tais dos mapas.
Os primeiros a disponibilizarem testemunhos acerca da inverdade foram os próprios brasileiros que, vivendo e trabalhando nos EUA, conhecem bem as peculiaridades do país e a maneira como os interesses brasileiros são
vistos (ou não.) pelos norte-americanos. Não apenas o conteúdo do boato é falso, falsa também é a 'premissa política' do boateiro(a) acerca dos norte-americanos.
O conceito de "imperialismo político e econômico" é bem conhecido da humanidade. É indiscutível a existência de uma enorme influência, pragmática e efetiva, dos interesses norte-americanos no restante dos membros da comunidade internacional. Alguns, no entanto, parecem não conseguir ainda 'decifrar' como as coisas são operacionalizadas, nesse fim de século, entre as chamadas potências (se é que esse substantivo ainda tem plural.) e os países 'periféricos.'
No caso específico EUA/Brasil, mais que apenas línguas diferentes, também profundas diferenças de 'cultura política' separam os dois países, fazendo com que a percepção mútua fique sempre bastante prejudicada.
É do conhecimento da humanidade inteira a existência de áreas geográficas regionais de grande valor econômico pelas reservas de combustível fóssil que contém, entre elas o Oriente Médio. Não faz parte da agenda do 'homem comum' norte-americano, tampouco da classe política dos EUA, cogitar uma 'tomada do petróleo' dos pequenos países daquela região do mundo, como seria possível imaginar, numa 'visão apocalíptica,' o nosso boateiro.
Isso não é aceitável, na 'ética média' da sociedade norte-americana, país cuja nação é extremamente criteriosa em sua capacidade de resistência e mobilização política, mormente quando se trata de 'derramar o sangue' dos seus filhos e filhas. O 'inconsciente coletivo' dos norte-americanos tem muito bem guardado o trauma da derrota sustentada no Vietnã, conflito em que os supostos interesses nacionais dos EUA não estavam expressamente legitimados pela vontade popular em 'combater e ganhar' (como certamente poderia ter ocorrido.).
Mas se há pouco ou nenhum risco tangível da materialização da 'tomada da Amazônia brasileira' pela iniciativa política e/ou militar de um suposto invasor norte-americano, de onde vem a 'lógica do boato'?
Retornando à analogia inicial entre os fenômenos da psicologia e das relações internacionais, um boato desses poderia ser interpretado como um 'delírio persecutório,' típico da 'expressão clínica da paranóia' Vale ressaltar, no recurso ao sempre presente 'Aurélio,' que o delírio paranóico está "estruturado sobre base lógica," o que coincide com a linha de argumento do boateiro(a):
- a Amazônia é rica;
- os brasileiros não teriam, supostamente, competência para administrar a região e preserva-la, nem para o Brasil tampouco restante da humanidade;
- existem países de maior capacidade de expressão do poder político/militar que o Brasil (os EUA sendo o maior deles.);
- a região amazônica já foi, inclusive, 'virtualmente separada' do território brasileiro nos tais dos mapas, (segundo a ênfase do conteúdo do boato).
Tudo isso indicaria, logicamente, uma forte ameaça à soberania nacional sobre a Amazônia brasileira. Na 'meta-análise' do boato (análise da análise), talvez agora o próprio autor deste ensaio quede paranóico, ainda que por razões completamente diferentes das do(a) boateiro(a) .
É preocupante que nós brasileiros possamos ter 'delírios persecutórios lógicos' sobre uma suposta perda da soberania nacional na Amazônia, basicamente pelo fato de que 'questionemos nossa própria competência. Se eles são 'boatos lógicos' (ainda que delirantes.), assim o são por sua verossimilhança, diria David Nasser.
Discordo do boateiro(a). Somos, enquanto povo, mais que competentes. Talvez nossas elites é que não o sejam. Tomara que a nação brasileira imobilize, o quanto antes, parlamentares irresponsáveis que estão tentando elaborar um projeto de legislação florestal que, se aprovado, faz qualquer boato de internacionalização da Amazônia parecer ainda mais lógico que o primeiro.
O povo brasileiro, em sua sabedoria, generosidade e bravura (...), é mais que capaz e competente para administrar sua região amazônica. Alguns parlamentares da atualidade certamente não o são e, perigosamente para a nação, aos olhos e ouvidos do mundo falam e agem em nome dela.
George Felipe Dantas é doutor e mestre pela "Graduate School of Education and Human Development" da "The George Washington University," com atuações como consultor da ONU.
E-mail: dantasf @ hotmail.com