A Guerra e a copa
O poema A Guerra e a copa de Aldemar Paiva foi recitado pelo autor em evento promovido pela Associação dos Ex-combatentes da FEB no Recife.
Isso foi em 1959, quatorze anos depois do retorno dos pracinhas ao Brasil e um ano após os jogadores de futebol ganharem o título de campeões do mundo de 1958.
Naquele ano, diversos ex-combatentes que obtiveram emprego no estado de Pernambuco foram demitidos dos seus cargos pelo então governador Sampaio.
O poema exprime revolta e compara o tratamento dispensado aos jogadores de futebol e aos pracinhas da FEB, muitos deles convocados e enviados para a Itália contra a vontade. Lá na Itália, o jogo que eles jogaram foi entre a vida e a morte.
A GUERRA E A COPA
De Aldemar Paiva, Recife, 1959(?)
Não sejam injustos nem precipitados,
Nós os Pracinhas sim, fomos culpados
E tudo já passou, pra que lembrar?
Em verdade também a nossa Copa,
Desenvolveu-se trágica na Europa
E o Brasil lutou para ganhar.
Se não chegamos como os Campeões,
Se não vibramos nas recepções,
É que a luta nos fez rudes demais.
Quantos dos nossos ao partir cantaram
E na Copa de sangue que jogaram,
Perderam a vida e não voltaram mais.
Mas o Brasil vibrou quando chegamos
E entre salvas febris desembarcamos,
Com lágrimas e risos de permeio,
Houve até quem ganhasse a madrugada,
Nessa esperança que termina em nada,
Em querer abraçar o filho que não veio.
Empregos e pensões houve aos milhares,
Quantas promessas aos familiares
Em discursos inflamados escutamos.
É que o Brasil é jovem, é inocente,
Quantas coisas nos dá ingenuamente,
Para tirar depois, se precisamos.
Os de Feola, é justo, mereceram,
Pois nas campanhas que empreenderam.
Nenhuma baixa tiveram pra chorar.
Mas nós de Zenóbio não, choramos tanto,
Perdemos tantos, que o nosso canto
Era um canto de dor, pra que cantar
Não sejam injustos nem precipitados.
Gostariam de ver os mutilados,
Expostos no Cateteàs ovações?
Nossos Didis, Garrinchas e Gilmares,
Tinham, vergonha de voltar aos lares
Depois que se fizeram campeões.
Prêmios, faixas e outras cortesias
Ganhamos todos nós naqueles dias
Que o tempo anda jogando nas sarjetas.
Dispensou o Governo e merecemos,
O excesso de bagagens que trouxemos,
Membros mecanizados e muletas.
Quanto a taça de ouro fulgurante,
Não trouxemos da Europa, mas o importante,
Foi o símbolo de paz que conseguimos.
Ganhamos nós pelos merecimentos,
Medalhas de neurose e sofrimentos,
Das batalhas cruéis que competimos.
Mas não digam que os Heróis do futebol,
Mais que os Pracinhas que sob o mesmo sol,
Rendeu graças ao Brasil que é uma jóia.
Culpem a nós irmãos, podem culpar,
Eu por exemplo não pude desfilar,
Porque deixei minhas pernas em Pistoia.
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